Marta Antunes Moura
Alvo
de estudo desde a remota Antiguidade, a liderança permanece como tema
atual que pode ser conceituado como a capacidade de alguém, denominado
líder, conduzir uma equipe para a produção de resultados. Líder é
diferente de chefe. O primeiro se esforça para manter a equipe
motivada, trabalhando integradamente com ela; por dar exemplo de boa
conduta, moral e ética; por preservar o bom relacionamento interpessoal,
realizando periódicas avaliações (feedbacks) construtivas que visam o crescimento da equipe.
O segundo concentra esforços na administração de recursos
organizacionais, colocando o elemento humano em segundo plano; age mais
como um “comandante” que, em geral, superestima a si mesmo e o papel
que ocupa na instituição; gosta de se colocar sob holofotes e, na
maioria das vezes, é autoritário e centralizador do poder. Neste
contexto, o líder é respeitado, o chefe é temido.
Acredita-se, atualmente, que um meio termo entre ambos apresentaria a
liderança ideal, porque o líder-chefe teria o necessário senso crítico
para desempenhar o papel que lhe compete, conforme o conceito de David
Carraher, cientista sênior da Universidade de Cambridge, Massachusetts
(EUA), e professor de Psicologia da Universidade de Pernambuco:
Um indivíduo que possui a capacidade
de analisar e discutir problemas inteligente e racionalmente, sem
aceitar, de forma automática, suas próprias opiniões ou opiniões
alheias, é indivíduo dotado de senso crítico.1
Não obstante, a liderança pode apresentar alguns senões, ainda que o
líder possua grande poder de influenciação e até realize algo bom ou
útil. Eis como Emmanuel compreende o significado de liderança positiva:
A liderança real no caminho da vida não tem alicerces em recursos amoedados.
Não se encastela simplesmente em notoriedade de qualquer natureza.
Não depende unicamente de argúcia ou sagacidade.
Nem é fruto de erudição pretensiosa.
A chefia durável pertence aos que se ausentam de si mesmos, buscando os semelhantes para servi-los... 2
Em visita à cidade de Goiânia (GO), em 1974, Chico Xavier é
entrevistado, oferecendo-nos ins- pirada resposta à pergunta: “Na
opinião da espiritualidade, como definir a verdadeira liderança?”. 3
Temos, com toda certeza, lideranças
as mais respeitáveis e por elas nos orientamos no mundo para a
sustentação da ordem, da segurança, do trabalho e do proveito em favor
de todos, mas a liderança genuína, segundo Nosso Senhor Jesus Cristo, é
sempre aquela que Ele define no próprio Evangelho: “E aquele que
desejar ser o maior, que se faça o servidor de todos”. 3 (Mateus, 20:27)
A resposta dada por Chico põe em relevo não só as necessárias características do líder (sustentação da ordem, da segurança, do trabalho e do proveito em favor de todos),
segundo a atual concepção de liderança-chefia,mas aponta sobretudo o
ideal que deve ser atingido pelos verdadeiros líderes: “[...] aquele
que desejar ser o maior, que se faça o servidor de todos”. (Mateus, 20:27)
São orientações que não devem ser banalizadas porque, relendo todo o
texto evangélico, no qual o versículo 27 está inserido, vemos a
importância da citação de Chico Xavier para uma melhor compreensão do
ensino de Jesus. Nos versículos 20 a 26, Mateus descreve o encontro do
Mestre nazareno com a mãe dos filhos de Zebedeu (João e Tiago Maior)
que, tal como acontece a todos nós, limitados pelos benefícios
transitórios da vida no plano físico, pede ao Senhor:
Dize que, no teu Reino, estes meus dois filhos se assentem um à tua direita e o outro à tua esquerda. (Mateus, 20:20 e 21)
Parece até que a história é recente, quando constatamos as diferentes
manifestações de fisiologismo na sociedade. Fisiologismo, por definição,
refere-se à relação de poder em que ações e decisões são tomadas em
troca de favores e outros benefícios de interesse pessoal, em detrimento
do bem comum.
Entretanto, o próprio Jesus, o maior de todos os líderes, o governador
do planeta Terra, se coloca como simples servidor, que dispensa
tratamento especial:
Da mesma forma que o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos. (Mateus, 20:28)
As instituições espíritas apresentam, em princípio, todas as condições
necessárias de se transformarem em exemplos organizacionais, pois têm
como referência as orientações do Evangelho de Jesus e os ensinamentos
da Doutrina Espírita. É por isso que Divaldo Franco ensina, com muita
propriedade, qual é o papel do dirigente espírita:
É de muita relevância o papel do
dirigente espírita, porque ele, de certo modo, apresenta as ansiedades
da comunidade que o elege para a tarefa. Ele, porém, ao invés de ser o
chefe da casa é o trabalhador mais devotado do grupo. É o companheiro
da exemplificação, principalmente da tolerância, da compreensão e do
devotamento, para que o seufruto seja de boa qualidade e estimule ao
bem os neófitos, os que estão chegando e aqueles outros que já
colaboram, de modo a levar adiante os postulados que a Casa defende e
que ele abraçou espontaneamente. 4
Nem sempre a pessoa mais culta, a mais influente, ou a que mais se
destaca, é a mais indicada para nos liderar, sobretudo na Casa
Espírita, como pondera Allan Kardec:
[...] Assim, a alma de um poderoso da
Terra pode mais tarde animar o mais humilde operário e vice-versa,
porque, entre os homens, as posições sociais guardam, frequentemente,
relação inversa com a elevação dos sentimentos morais. Herodes era rei,
e Jesus, carpinteiro. 5(Grifo nosso.)
Ken Blanchard e Phill Hodges, autores do livro Lidere com Jesus, comentam com aguda sensibilidade o momento atual vivido pela sociedade, pregando que a solução é liderar com Jesus:
O mundo está precisando
desesperadamente de um modelo de liderança diferente. A mídia nos
despeja diariamente inú- meros casos de valores abandonados, de
confiança traída, de exploração e de manipulação cometidos por pessoas
importantes e influentes. Líderes de países e corporações usam seus
cargos em benefício próprio, enquanto uma incalculável multidão definha
na pobreza e na falta de esperança. Líderes religiosos escandalizam os
crentes, comprometem igrejas e provocam ceticismo, revolta e decepção.
Famílias se dissolvem deixando marcas em seus membros, e as relações
de amizade são rompidas por causa de interesses puramente pessoais. 6
Espíritas, precisamos conhecer mais o Evangelho e o Espiritismo,
incorporando os seus postulados à nossa conduta. Comecemos, por
exemplo, por rever a parábola do mordomo/administrador infiel (Lucas, 16:1 a 13),
que simboliza a má liderança. No versículo dois, o Mestre chama a
atenção do administrador para a responsabilidade do compromisso por ele
assumido, dizendo-lhe: “Dá conta da tua administração” (Lucas, 16:2). Emmanuel assim comenta esta parábola:
Na essência, cada homem é servidor
pelo trabalho que realiza na obra do supremo Pai, e, simultaneamente, é
administrador, porquanto cada criatura humana detém possibilidades
enormes no plano em que moureja. Mordomo do mundo não é somente aquele
que encanece os cabelos, à frente dos interesses coletivos, nas empresas
públicas ou particulares, combatendo tricas mil, a fim de cumprir a
missão a que se dedica.
Cada inteligência da Terra dará conta dos recursos que lhe foram confiados.
A fortuna e a autoridade não são valores únicos de que devemos dar conta hoje e amanhã. 7
Encerrando a sua mensagem, o Benfeitor espiritual apresenta uma
indagação, um aconselhamento e uma previsão, ótimo roteiro para todos
nós, espíritas e não espíritas:
Que fazes, portanto, dos talentos
preciosos que repousam em teu coração, em tuas mãos e no teu caminho?
Vela por tua própria tarefa no bem, diante do Eterno, porque chegará o
momento em que o Poder divino te pedirá: “Dá conta de tua
administração”. 8
Referências:
1 CARRAHER, David W. Senso crítico: do dia a dia às ciências sociais. 5. ed. São Paulo: Pioneira, 1999. Introdução, p. xix.
2 XAVIER, Francisco C.; VIEIRA, Waldo. O espírito da verdade. Por diversos Espí- ritos. 18. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2013. cap. 64.
3 XAVIER, Francisco C. Chico Xavier em Goiânia. Pelo Espírito Emmanuel. São Bernardo do Campo (SP): Geem, 1978. q. 13, p. 50.
4 FRANCO, Divaldo P. Diálogo com dirigentes e trabalhadores espíritas. 6. ed. São Paulo: USE, 2005. primeiro diálogo, it. 1.9.
5 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 1. reimp. Brasília: FEB, 2013. Comentário de Allan Kardec à q. 194a.
6 BLANCHARD, Ken; HODGES, Phill. Lidere com Jesus. Trad. Regina da Veiga Pereira e Sonia Maria Moitrel Schwarts. Rio de Janeiro: Sextante, 2007. Cap. 1, p. 17.
7 XAVIER, Francisco C. Fonte Viva. Pelo Espírito Emmanuel. 6. imp. Braília: FEB, 2013. Cap. 75, p. 165.
8 _____. ______. p. 166.
Extraído da Revista Reformador, edição de agosto de 2013.