sábado, 10 de maio de 2014

A Bíblia e o Espiritismo se completam

Entrevista com Severino Celestino 
Severino Celestino da Silva, estudioso de línguas antigas e analista da Bíblia, atua como docente do curso de Pós-Graduação em Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba. Considera a Bíblia um livro repleto de fenômenos mediúnicos
Reformador: Como se motivou para iniciar seus estudos sobre a Bíblia?
Celestino: Foi a partir de 1964, quando ingressei no Seminário Arquidiocesano da Paraíba.
Depois que conheci a Doutrina Espírita e como ex-seminarista, descobri que a Bíblia em seu conteúdo original é um livro onde podemos encontrar todos os fenômenos mediúnicos citados, analisados e estudados por Kardec.
Concluí, então, que a Bíblia pode ser considerada um livro repleto de fenômenos mediúnicos, do Gênesis ao Apocalipse.
A palavra “profeta”, no grego, representa a palavra “navi”, em hebraico, e tem o mesmo princípio e significado de intermediação entre os dois mundos (material e espiritual), o que Kardec nomeou mediunidade, seu possuidor chama-se médium, palavra que no latim significa, intermedium.
Qual é sua ênfase: o Velho ou o Novo Testamento?
Considero ambas as revelações muito importantes e transito muito bem entre as duas.
A minha proficiência na língua hebraica facilita o entendimento maior dos dois testamentos, pois, já possuía bases do grego e do latim, vindo depois a me aprofundar na língua hebraica.
Nas minhas pesquisas sobre a Doutrina Espírita, encontrei nas observações de Emmanuel, Kardec, e dos Espíritos reveladores na Codificação, entre outros, suporte para o meu aprofundamento no estudo dos dois testamentos.
Emmanuel nos fala, em A caminho da luz (cap. 7), que a Primeira e a Segunda Revelações possuem grande importância.
São duas realidades distintas, cada uma compatível com a evolução espiritual de sua época.
Ele nos informa que: “[...] a par do Evangelho, está o Velho Testamento tocado de clarões imortais, para a visão espiritual de todos os corações” e que “uma conexão reúne as duas leis, que representam duas etapas do progresso humano”. Emmanuel acrescenta que “Moisés recebe do mundo espiritual as leis básicas do Sinai, construindo desse modo o grande alicerce do aperfeiçoamento moral do mundo”, e que, “os dez sagrados mandamentos, até hoje, representam a base de toda a justiça do mundo”. E conclui Emmanuel:
“Moisés lega à posteridade as suas tradições no Pentateuco, iniciando a construção da mais elevada ciência religiosa de todos os tempos”.
Allan Kardec, em O livro dos espíritos, faz referência às duas primeiras revelações em que o Espírito revelador nos convida a ler os Salmos (q. 275), e cita o Eclesiastes (q. 560), demonstrando a importância da Primeira Revelação ou Brit Rishon como chamam os hebreus. Em O evangelho segundo o espiritismo, cap. I, it. 9, com o título “A Nova Era”, recebemos, na mensagem de “Um Espírito israelita”, informações de que “os mandamentos de Deus, dados por intermédio de Moisés”, eram apropriados ao estado de adiantamento dos povos daquela época. No entanto, traziam o germe da mais ampla moral cristã e que, como um farol, deveria iluminar a humanidade no caminho que haveria de percorrer. O Espírito acrescenta que o “Cristo foi o iniciador da mais pura, da mais sublime moral, evangélica-cristã, que há de renovar o mundo, aproximar os homens e torná-los fraternos; que há de fazer brotar de todos os corações humanos a caridade e o amor do próximo e estabelecer entre os humanos uma solidariedade comum [...]. É a lei do progresso, a que a natureza está submetida, que se cumpre, e o Espiritismo é a alavanca de que Deus se utiliza para fazer que a humanidade avance”. Finalizando a comunicação, o Espírito conclui:
“[...] Moisés abriu o caminho; Jesus continuou a obra; o Espiritismo a concluirá”. Dou ênfase, portanto, às duas revelações com base no esclarecimento dos Espíritos que nos mostram que uma serve de suporte para a outra.
Quais os livros que já publicou sobre traduções e interpretações da Bíblia?
Foram publicados cinco livros, entre eles está a tradução do Gênesis, com 1.534 versículos, traduzidos direto do hebraico para o português em parceria com o israelense Gad Azaria. As nossas obras, pela ordem de publicação, são as seguintes: Analisando as traduções bíblicas (1999); O sermão do monte (2002); Bereshit (Deus e a Criação), 2006; O evangelho e o cristianismo primitivo, (2010); A didaqué (o Primeiro Catecismo dos Apóstolos), 2011; e se encontra no prelo a nossa nova obra Cristianismo primitivo – Nos caminhos de Paulo, João, o evangelista, e Maria de Nazaré.
Nos seus estudos robustecem-se os princípios da Doutrina Espírita, com base na Bíblia?
Certamente. Em todos os meus estudos sempre busco confirmação e inter-relacionamento dos ensinamentos dos versículos bíblicos com a Doutrina Espírita. Assim, sempre que inicio a leitura de um versículo bíblico no hebraico, traduzo-o e comparo o seu significado e ensinamentos com os princípios doutrinários da Codificação de Kardec.
Sempre que possível, utilizo as bases doutrinárias em minhas interpretações, após as traduções. Não esqueço as afirmativas do Espírito revelador na questão 627 de O livro dos espíritos quando afirma: “[...]
Faz-se mister agora que a verdade se torne inteligível para todo mundo. Muito necessário é que as leis sejam explicadas e desenvolvidas, tão poucos são os que a compreendem e ainda menos as que as praticam. A nossa missão consiste em abrir os olhos e os ouvidos a todos [...]. O ensino dos Espíritos tem que ser claro e sem equívocos, para que ninguém possa pretextar ignorância e para que todos o possam julgar e apreciar com a razão. [...]”
A Bíblia e o Espiritismo se completam. Engana-se quem pensa diferente. Os ensinos de Moisés e de Jesus representam alicerces para os fundamentos do Espiritismo. Não existe Espiritismo sem Evangelho. Todos os fenômenos mediúnicos classificados por Allan Kardec se encontram na Bíblia, do Gênesis ao Apocalipse. Encontramos ainda na Bíblia: imortalidade da alma, lei de causa e efeito, reencarnação, Deus, como causa primeira de todas as coisas, e a caridade como base do progresso humano e espiritual.
A reencarnação é um tema sempre presente?
Presente, evidente e claro. Desde o início, encontramos na Bíblia citações que nos ensinam e evidenciam a reencarnação. O livro do Gênesis, por exemplo, cita a reencarnação no capítulo 2:7, no texto original. Ali, Deus coloca no homem um neshamatchaim, que em hebraico quer dizer, um espírito para muitas existências. Este versículo serve como base para a mensagem da reencarnação. O mesmo assunto é tratado em O livro dos espíritos, cap. II – A alma, onde aprendemos que o Espírito encarnado se chama alma. O conhecido Salmo 23 nos traz uma mensagem de reencarnação claríssima em seu texto hebraico original. Davi nos fala que:
“Certamente, bondade e benevolência me seguirão todos os dias das minhas vidas”. Salmo, 23:6 (tradução nossa).
Jesus traz vários e claros ensinamentos de reencarnação em seus Evangelhos. Ele fala, por exemplo, em Mateus (11:10-14), que se cumpria o que falara o profeta Malaquias, 4:5: “Eis que vos enviarei o profeta Elias, antes que chegue o dia de Iahvé”. Segundo Jesus, esta mensagem de Malaquias se refere a João, o Batista, que viria preparar-lhe o caminho, afirmando que João Batista era o Elias que devia vir para confirmar e cumprir a profecia de Malaquias. Esta é a mensagem mais clara, literal e direta sobre reencarnação existente nos evangelhos e ratificada por Jesus. O nosso primeiro livro Analisando as traduções bíblicas possui oito capítulos sobre citações de versículos nos textos originais, que falam de reencarnação na Bíblia.
Como representantes de outras religiões analisam sua obra? Há o prefácio de um bispo?
A aceitação tem sido além de minhas expectativas. No início, tive que vencer algumas barreiras naturais, no entanto, os jornais e a mídia em geral me ajudaram bastante sobre a sua divulgação e esclarecimentos.
Na sequência, as coisas foram acontecendo naturalmente com nossas conferências e seminários, e, hoje, já existe uma boa aceitação das nossas obras, pelos representantes e adeptos de outras religiões.
Elas atualmente fazem parte da bibliografia de pesquisa nos cursos de graduação e pós-graduação em Ciências das Religiões na Universidade Federal da Paraíba, onde tenho grupos de pesquisas sobre temas de textos sagrados. Existem alunos de todas as religiões, inclusive pastores e padres. Não existe, é claro, uma unanimidade de aceitação das nossas traduções. Encaro isso com muita naturalidade científica.
Entretanto, a maioria respeita o nosso trabalho e até nos tem agradecido pela oportunidade de ter uma tradução neutra.
Estamos concluindo o curso de pós-doutorado na Universidade Metodista de São Paulo e nossas obras também estão em sua biblioteca. Em nossa cidade, João Pessoa, temos obtido muito respeito no meio protestante e católico. Relacionamo-nos muito bem com o líder espiritual da primeira e maior Igreja Batista de João Pessoa, o pastor Estevam Fernandes, entre outros pastores, com quem convivemos e nos respeitamos e também desfruto do respeito e da amizade do arcebispo metropolitano da Arquidiocese da Paraíba, D. Aldo Pagotto, que prefaciou a nossa quarta obra O evangelho e o cristianismo primitivo.
Aprendemos, com base em nossas experiências e na convivência com representantes de outras religiões, que existem diferenças entre os nossos conceitos e a visão religiosa, no entanto, se observarmos bem, todos buscam ansiosamente um reencontro com Deus. Portanto, partindo desta premissa, podemos, pelo respeito e pelo amor ensinados por Jesus, viver cada um em sua religião respeitando o seu irmão de qualquer outra corrente e conseguindo a prática do bem com a conquista da paz.
Qual sua expectativa com o Sesquicentenário de O evangelho segundo o espiritismo?
A melhor possível. Tenho grande respeito e admiração pelas obras da Codificação, mas O evangelho segundo o espiritismo desperta em mim um interesse especial, um sentimento de profunda sintonia com Jesus, com seu amor e com seus ensinamentos.
Este livro me transporta para as montanhas da Galileia e da Judeia ao encontro dos ensinos de Jesus. Considero-o como um dos livros mais importantes da nossa Doutrina.
Concordo e endosso a mensagem do Espírito São Luís quando afirmava a Kardec, antes do lançamento de O evangelho segundo o espiritismo, que: “Chegou o tempo da Terra emergir do nevoeiro que obscurece a inteligência e, deixando a penumbra que a rebaixa na ordem espiritual, gravitar entre os planetas radiantes. Com essa obra, o edifício começa a se livrar de seus alicerces, e já se pode entrever a sua cúpula se desenhar no horizonte”.
Tenho a sensação de que chegou o momento desta obra ser mais compreendida, mais divulgada, e vivida na prática, sobretudo por nós espíritas. O evangelho segundo o espiritismo representou uma pérola de bênçãos em um período espiritual muito difícil de minha vida, e foi, sem nenhuma dúvida, a “ponte de luz” que me conduziu ao encontro da Doutrina Espírita. A importância desse livro iluminado e produtor de luzes é inquestionável. Em seus 150 anos de existência, necessitamos compreender que ele representa o canal espiritual que Jesus abriu e utilizou junto com a Ciência e a Filosofia,
para constituir a Doutrina Espírita, suporte universal para divulgação de sua mensagem libertadora e de amor para a humanidade

Extraído da Revista Reformador