O Mestre veio ao mundo para pregar a sua mensagem em todos os lugares e “misturou palavras e testemunhos vivos, desde a primeira manifestação de seu apostolado sublime até a cruz. Por pregação, portanto, o Mestre entendia igualmente os sacrifícios da vida”. 2 Para o espírita, a ação de pregar é, acima de tudo, exemplificar a caridade na demonstração sincera dos ensinamentos doutrinários propalados, com atitudes nobres a exprimirem palavras de consolo às criaturas que rogam amparo em nome de Jesus.
De acordo com os benfeitores espirituais, “nunca é demasiado comentar a importância e o caráter sagrado da palavra”. 3 A esse respeito, observa o Espírito Emmanuel que
O próprio Evangelho assevera que no princípio era o Verbo, e quem examine atentamente a posição atual do mundo reconhecerá que todas as situações difíceis se originam do poder verbalista mal aplicado. 3
O mentor espiritual refere-se aos falsos discursos pronunciados com palavras que, colocadas estrategicamente na oratória, enganaram indivíduos, famílias e nações. Essas constatações nos remetem aos discursos, falados ou escritos, na transmissão da mensagem espírita, eivados de recursos retóricos nem sempre apregoados em favor da causa maior. Nossos comunicados refletem os sentimentos cristãos que preconizamos? Ou estamos saturados de ideias excêntricas, influenciados pelos labores intelectuais que abraçamos, em nome da Doutrina?
Elucidados estudos do escritor espírita Juvanir Borges de Souza (1916-2010), sobre o presente tema, concluem:
[...] manifestação simbólica das ideias, extensão do Espírito, a palavra representa sempre o valor do pensamento. Assim, pode ela expressar, em sua alta função a serviço do bem, a moralidade e o bom gosto, em processo regular de educação do homem, como pode, ao revés, transformar-se em abuso, quando serve ao sofisma, ao puro verbalismo, à ofensa, à maldade e a todas as inferioridades humanas. 4
Ao analisarmos as contribuições do citado autor, deparamo-nos com alguns problemas, dentre as inúmeras dificuldades encontradas para que as nossas concepções reflitam as inspirações do Alto, no momento da propagação da mensagem renovadora. São eles: a) a falta de compreensão lógica e aprofundada das obras da Codificação Espírita, com seus variados desdobramentos, ligados à Filosofia, à Ciência em geral, à moral evangélica e aos aspectos religiosos; b) a transformação de profundos e elevados pensamentos espíritas em opiniões divergentes da temática doutrinária, na busca de concessões à superficialidade e à vulgaridade, permitidas por certos obreiros, preocupados com o ato de convencer e persuadir aos que os ouvem ou leem, em exagerado servilismo às manifestações humanas; c) a preocupação de determinados tarefeiros de selecionar frases brilhantes e inúteis, sem utilizar fala acessível e compreensível para aqueles que os procuram, em auditórios, em recintos de aulas e cursos, ou por meio de atendimentos específicos, esquecendo-se da simplicidade que torna verdadeiramente nítida a linguagem elevada dos conceitos e ideias apresentados.
Ao nos empenharmos na divulgação da Doutrina, conservando as características pessoais de cada estilo, nunca devemos esquecer do poder da palavra como forma representativa e eficaz de influirmos nos pensamentos e nas atitudes de terceiros, considerando essas iniciativas como elementos valiosos e utilíssimos à causa do Espiritismo, sem esquecermos, todavia, das recomendações dos benfeitores espirituais para que não nos deixemos levar por um intelectualismo excessivo e nocivo ao esforço que empreendemos pela exemplificação evangélica. Sábio aconselhamento é dado pelos Espíritos reveladores, em uma das abençoadas mensagens contidas em O Evangelho segundo o Espiritismo:
A inteligência é rica de méritos para o futuro,mas, sob a condição de ser bem empregada. Se todos os homens que a possuem dela se servissem de conformidade com a vontade de Deus, fácil seria,para os Espíritos, a tarefa de fazer que a Humanidade avance. Infelizmente,muitos a tornam instrumento de orgulho e de perdição contra si mesmos. O homem abusa da inteligência como de todas as suas faculdades [...]. 5
Sabemos que, para compreender a Doutrina dos Espíritos, não é preciso que tenhamos “uma inteligência fora do comum [...]” . “[...] A clareza é da sua essência mesma e é donde lhe vem toda a força, porque a faz ir direito à inteligência”. 6 É desnecessário, pois, divulgar a Doutrina com princípios estranhos aos seus pontos fundamentais, como se quiséssemos inovar buscando teorias e práticas de diferentes procedências. Kardec foi peremptório ao afirmar sobre a transparência do Espiritismo:
[...] Sua força está na sua filosofia, no apelo que dirige à razão, ao bom senso. [...] Hoje, para ninguém tem segredos. Fala uma linguagem clara, sem ambiguidades. Nada há nele de místico, nada de alegorias suscetíveis de falsas interpretações.Quer ser por todos compreendido, porque chegados são os tempos de fazer-se que os homens conheçam a verdade. [...] 7
Atualmente, erros são cometidos pela carência de entendimentos mais lúcidos dos preceitos que norteiam a Doutrina Espírita, sobretudo, na elaboração de determinadas obras literárias, de duvidosa qualidade textual e de valor doutrinário incerto. Tais obras acabam atraindo adeptos-leitores inexperientes como vigoroso imã ao espalhar pensamentos esdrúxulos e fantasiosos, causando-lhes embaraços com o prejudicar sua correta compreensão das verdadeiras bases do Espiritismo. Os Espíritos superiores chamam atenção para as intenções do escritor:
[...] Se ele escrever boas coisas, aproveitai-as. Se proceder mal, é uma questão de consciência que lhe diz respeito, exclusivamente.Demais, se o escritor tem empenho em provar a sua sinceridade, apoie o que disser nos exemplos que dê. 8
Lembranças de antigos trabalhadores espíritas avivam a nossa memória, ao rememorarmos o esforço desenvolvido, por cada um deles, na realização de tarefas exaustivas, disciplinadas e cuidadosas para difusão da Doutrina Consoladora. A saudosa médium Yvonne Pereira (1906-1984), ao comentar a herança deixada para nós, por esses seareiros do passado, declara:
Esses homens e essas mulheres, irmãos amados pelo nosso coração, deixaram aos espíritas que os sucederam o exemplo da dedicação, do trabalho e da fidelidade ao ideal superior que os engrandeceu perante si mesmos e a sociedade. Foram personagens fortes, que souberam resistir aos embates do mundo, não permitindo que as ervas daninhas das infiltrações perigosas e do personalismo invadissem o campo doutrinário. [...] 9
Sigamos o exemplo deles, que interpretaram as palavras espíritas em espírito e verdade, à luz do Evangelho, que é “um espelho cristalino em que o Mestre se reproduz, por divina reflexão, orientando a conduta humana para a construção do Reino de Deus entre as criaturas”. 10
Referências:
1 DIAS, Haroldo Dutra. (Tradutor). O novo testamento. Brasília: EDICEI, 2010.
2 XAVIER, Francisco C. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 38, p. 92.
3 ______. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 165.
4 SOUZA, Juvanir Borges. Tempo de renovação. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Cap. 12, p. 99.
5 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 25. ed. bolso. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 7, it. 13, p. 155.
6 ______. ______. Cap. 17, it. 4.
7 ______. O livro dos espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 91. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Conclusão, it. 6, p. 544.
8 ______. ______. Q. 904a.
9 COMPILAÇÃO EQUIPE FEB. À luz do consolador. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1998. Cap. O livro que faltava, p. 123.
10 XAVIER, Francisco C. Pensamento e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 18. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 4, p. 23.
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