segunda-feira, 30 de abril de 2012

Acréscimo de misericórdia

“Procurai primeiramente o Reino de Deus e sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas de acréscimo.” (Mateus, 6:33; Lucas, 12:31.)

Clara Lila Gonzales de Araújo
É possível aquilatar a extensão das bênçãos que dimanam da misericórdia de Deus? Sabemos avaliar a amplitude das oportunidades que nos chegam, exercitando o amor ao próximo e incumbindo-nos de aplicar hoje o tempo, a energia e os esforços que desperdiçamos outrora? De acordo com o versículo acima, os resultados surgidos das conquistas de valores espirituais nos permitem receber, por acréscimo da generosidade divina, múltiplos ensejos de bem realizarmos iluminadas atividades, que procuramos vivenciar em meio a júbilos de esperança e paz. Essas manifestações, em forma de pensamentos, de conversações, de hábitos, de conduta, mercê da aquisição de ideais superiores, são propósitos que se exprimem em atos de caridade legítima, levando-nos a sentir a presença de Deus em nós e descobrindo o seu verdadeiro Reino. Entretanto, tornar-se espírita não é santificar-se de um momento para o outro, além de não significar privilégio, dadas as condições da justiça superior, que se manifesta em nós como consequência da lei de causa e efeito, mesmo considerando as lutas difíceis que travamos durante anos de dedicação e serviço em favor do Espiritismo. 

Constantino, Espírito protetor, na mensagem inserida em  O Evangelho segundo o Espiritismo, afirma, terminante: Bons espíritas, meus bem-amados, sois todos obreiros da última hora. Bem orgulhoso seria aquele que dissesse: Comecei o trabalho ao alvorecer do dia e só o terminarei ao anoitecer. Todos viestes quando fostes chamados, um pouco mais cedo, um pouco mais tarde, para a encarnação cujos grilhões arrastais; mas há quantos séculos e séculos o Senhor vos chamava para a sua vinha, sem que quisésseis penetrar nela! Eis-vos no momento de embolsar o salário; empregai bem a hora que vos resta e não esqueçais nunca que a vossa existência, por longa que vos pareça, mais não é do que um instante fugitivo na imensidade dos tempos que formam para vós a eternidade.1
 
Urge, desse modo, perseverar no trabalho a fazer, tendo a necessária paciência, sobretudo, ao enfrentar os rudes resgates que porventura surjam frente às surpresas da marcha existencial, sem nos entregarmos ao desânimo. Determinados companheiros espíritas não aceitaram essa realidade, deixando de alcançar planos mais elevados no cumprimento de suas tarefas e abandonando a esfera de lutas enobrecedoras. Sentiram-se inconformados, em meio às provações, por não terem seus desgostos diminuídos, sem aproveitar da aplicação dos ensinamentos doutrinários para melhor compreender a equidade divina, esquecendo-se de que, ao sofrermos os prejuízos de nossos erros, “por infinita misericórdia, devemos ter que Deus não é inexorável, deixando sempre viável o caminho da redenção”.2 Allan Kardec faz excelente análise sobre as implicações das penas futuras segundo o Espiritismo, advertindo: [...] todos têm o mesmo ponto de partida e nenhum se distingue em sua formação por melhor aquinhoado; nenhum cuja marcha progressiva se facilite por exceção: os que chegam ao fim, têm passado, como quaisquer outros, pelas fases de inferioridade e respectivas provas. [...] Todos somos livres no trabalho do próprio progresso [...]. O romeiro que se desgarra, ou em caminho perde tempo, retarda a marcha e não pode queixar-se senão de si mesmo.3 [...] Podendo todo homem libertar-se das imperfeições por efeito da vontade, pode igualmente anular os males consecutivos e assegurar a futura felicidade. A cada um segundo as suas obras, no Céu como na Terra: – tal é a lei da Justiça Divina.4
 
A disposição sincera de servir ao semelhante, que empreende-mos na labuta junto à seara de Jesus, procurando evoluir de forma perseverante, nos faz superar os padecimentos como meio de sanar os erros morais que cometemos em existências pregressas. Assim agindo, angariamos a simpatia dos Espíritos superiores que nos concedem amparo para concretização das inúmeras possibilidades que a prática do Espiritismo oferece, fortalecendo-nos e iluminando-nos para o futuro, devidamente elucidados pelo conhecimento espírita. Deus, pois, não cria seres privilegiados, mas “fez da felicidade o prêmio do trabalho e não do favoritismo, para que cada um tivesse seu mérito”.5 O Espírito Emmanuel faz referência às circunstâncias em que desencarnaram muitos dos grandes vultos da Humanidade, após a vivência de desmedidas agruras, como pessoas que foram: exiladas, trucidadas, ludibriadas, famintas, enfermas, perseguidas, endividadas, paupérrimas, indigentes, guilhotinadas, em penúria extrema, assassinadas etc., além das que viveram menos penosamente, mas não deixaram de enfrentar duras provas. Trata-se de um alerta para os infortúnios e reveses terrenos que parecem absurdos de serem experimentados por criaturas reconhecidamente valiosas e que contribuíram para o progresso do mundo. Nesse sentido, conclui o eminente mentor espiritual: [...] é forçoso reconhecer que passaram, entre os homens, também sofrendo e lutando, junto à bigorna do trabalho constante. Cada consciência é filha das próprias obras. Cada conquista é serviço de cada um. Deus não tem prerrogativas ou exceções. Toda glória tem preço. É a lei do mérito de que ninguém escapa.6
 
Certamente, a advertência do generoso Emmanuel é para avivar, principalmente, a vigilância dos espíritas que, ao se defrontarem com os infindáveis problemas a vencer, sobretudo na hora crucial do testemunho, se não tiverem aproveitado os conhecimentos doutrinários apreendidos, sabendo empregá-los em todos os momentos terrenos para fortalecimento do Espírito, de nada valerão os esforços que desenvolverem em benefício da Doutrina, por falta de méritos conquistados no caminho da legítima redenção de si mesmos. O Espiritismo convida-nos a seguir no rumo certo ao destacar que as verdadeiras ideias a serem cultivadas pelos homens, devem estar em completa sintonia com os princípios lidimamente cristãos. Em visita à “Mansão Paz”, escola espiritual luminosa, que permanece sob a jurisdição de “Nosso Lar”, os Espíritos Hilário e André Luiz são esclarecidos por seu diretor Druso sobre o atendimento aos Espíritos que ali aportam, necessitados e infelizes, mas decididos a trabalhar pela própria regeneração, conseguindo compreender a “importância da existência carnal, como sendo verdadeiro favor da Divina Misericórdia”7 e do esforço a ser despendido para se adaptarem aos mecanismos da imprescindível Justiça. Druso, no entanto, reforça o valor da súplica, para que, ao encarnarem, não percam o ensejo de melhoria espiritual:
– A prece, no sentido a que aludimos, é sempre um atestado de boa vontade e compreensão, no testemunho da nossa condição de Espíritos devedores... Sem dúvida, não poderá modificar o curso das leis, diante das quais nos fazemos réus sujeitos a penas múltiplas, mas renova-nos o modo de ser, valendo não só como abençoada plantação de solidariedade em nosso benefício, mas também como vacina contra a reincidência no mal. [...] a prece faculta-nos a aproximação com os grandes benfeitores que nos presidem os passos, auxiliando-nos a organização de novo roteiro para a caminhada segura.8
 
A melhor forma de orar é a que se traduz em trabalho, integrando-nos aos planos da Providência.O espírita consciente não é simples detentor de conhecimentos doutrinários, apenas pelo puro prazer intelectual. Sabe que problemas advirão, de acordo com a responsabilidade de agir dignamente diante das leis divinas; topará com o “orgulho, o egoísmo, a ambição, a cupidez, o fanatismo cego, os quais, levados às suas últimas trincheiras, tentam barrar-lhe o caminho e lhe suscitam entraves e perseguições”.9 Essas lutas, no entanto, são de ordem moral e haverão de ser vencidas, passo a passo, por acréscimo de misericórdia do Pai Amantíssimo e de Jesus, Excelso Condutor de nossas almas, cuja aplicação de seus ensinamentos permite construir o Reino de Deus em nós.
 
Referências:
1 KARDEC, Allan.  O evangelho segundo o espiritismo . Trad. Guillon Ribeiro. 130. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Cap. 20, it. 2.
2 ______.  O céu e o inferno . Trad. Guillon Ribeiro. 2. ed. esp. 2. reimp. Rio de Janei-ro: FEB, 2011. P. 1, cap. 7, it. Código pe-nal da vida futura, subit. 29.
3 ______. ______. Subit. 32.
4 ______. ______. Subit. 33.
5 ______. ______. Subit. 32.
6 XAVIER, Francisco Cândido. Justiça divina. Pelo Espírito Emmanuel. 13. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Lei do Mérito, p. 121-123.
7 ______.  Ação e reação. Pelo Espírito André Luiz. 2. ed. esp. 2. reimp. Rio de Ja-neiro: FEB, 2010. Cap. Ante o Centenário.
8 ______. ______. Cap. 19, p. 280.
9 KARDEC, Allan.  O evangelho segundo o espiritismo . Trad. Guillon Ribeiro. 130. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Cap. 23, it. 17.