“Procurai primeiramente o Reino de Deus e sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas de acréscimo.” (Mateus, 6:33; Lucas, 12:31.)
Clara Lila Gonzales de Araújo
É
possível aquilatar a extensão das bênçãos que dimanam da misericórdia
de Deus? Sabemos avaliar a amplitude das oportunidades que nos chegam,
exercitando o amor ao próximo e incumbindo-nos de aplicar hoje o tempo, a
energia e os esforços que desperdiçamos outrora? De acordo com o
versículo acima, os resultados surgidos das conquistas de valores
espirituais nos permitem receber, por acréscimo da generosidade divina,
múltiplos ensejos de bem realizarmos iluminadas atividades, que
procuramos vivenciar em meio a júbilos de esperança e paz. Essas
manifestações, em forma de pensamentos, de conversações, de hábitos, de
conduta, mercê da aquisição de ideais superiores, são propósitos que se
exprimem em atos de caridade legítima, levando-nos a sentir a presença
de Deus em nós e descobrindo o seu verdadeiro Reino. Entretanto,
tornar-se espírita não é santificar-se de um momento para o outro, além
de não significar privilégio, dadas as condições da justiça superior,
que se manifesta em nós como consequência da lei de causa e efeito,
mesmo considerando as lutas difíceis que travamos durante anos de
dedicação e serviço em favor do Espiritismo.
Constantino, Espírito protetor, na mensagem inserida em O Evangelho segundo o Espiritismo, afirma, terminante: Bons
espíritas, meus bem-amados, sois todos obreiros da última hora. Bem
orgulhoso seria aquele que dissesse: Comecei o trabalho ao alvorecer do
dia e só o terminarei ao anoitecer. Todos viestes quando fostes
chamados, um pouco mais cedo, um pouco mais tarde, para a encarnação
cujos grilhões arrastais; mas há quantos séculos e séculos o Senhor vos
chamava para a sua vinha, sem que quisésseis penetrar nela! Eis-vos no
momento de embolsar o salário; empregai bem a hora que vos resta e não
esqueçais nunca que a vossa existência, por longa que vos pareça, mais
não é do que um instante fugitivo na imensidade dos tempos que formam
para vós a eternidade.1
Urge,
desse modo, perseverar no trabalho a fazer, tendo a necessária
paciência, sobretudo, ao enfrentar os rudes resgates que porventura
surjam frente às surpresas da marcha existencial, sem nos entregarmos ao
desânimo. Determinados companheiros espíritas não aceitaram essa
realidade, deixando de alcançar planos mais elevados no cumprimento de
suas tarefas e abandonando a esfera de lutas enobrecedoras. Sentiram-se
inconformados, em meio às provações, por não terem seus desgostos
diminuídos, sem aproveitar da aplicação dos ensinamentos doutrinários
para melhor compreender a equidade divina, esquecendo-se de que, ao
sofrermos os prejuízos de nossos erros, “por infinita misericórdia,
devemos ter que Deus não é inexorável, deixando sempre viável o caminho
da redenção”.2 Allan Kardec faz excelente análise sobre as implicações das penas futuras segundo o Espiritismo, advertindo: [...]
todos têm o mesmo ponto de partida e nenhum se distingue em sua
formação por melhor aquinhoado; nenhum cuja marcha progressiva se
facilite por exceção: os que chegam ao fim, têm passado, como quaisquer
outros, pelas fases de inferioridade e respectivas provas. [...] Todos
somos livres no trabalho do próprio progresso [...]. O romeiro que se
desgarra, ou em caminho perde tempo, retarda a marcha e não pode
queixar-se senão de si mesmo.3
[...] Podendo todo homem libertar-se das imperfeições por efeito da
vontade, pode igualmente anular os males consecutivos e assegurar a
futura felicidade. A cada um segundo as suas obras, no Céu como na
Terra: – tal é a lei da Justiça Divina.4
A
disposição sincera de servir ao semelhante, que empreende-mos na labuta
junto à seara de Jesus, procurando evoluir de forma perseverante, nos
faz superar os padecimentos como meio de sanar os erros morais que
cometemos em existências pregressas. Assim agindo, angariamos a simpatia
dos Espíritos superiores que nos concedem amparo para concretização das
inúmeras possibilidades que a prática do Espiritismo oferece,
fortalecendo-nos e iluminando-nos para o futuro, devidamente elucidados
pelo conhecimento espírita. Deus, pois, não cria seres privilegiados, mas “fez da felicidade o prêmio do trabalho e não do favoritismo, para que cada um tivesse seu mérito”.5
O Espírito Emmanuel faz referência às circunstâncias em que
desencarnaram muitos dos grandes vultos da Humanidade, após a vivência
de desmedidas agruras, como pessoas que foram: exiladas, trucidadas,
ludibriadas, famintas, enfermas, perseguidas, endividadas, paupérrimas,
indigentes, guilhotinadas, em penúria extrema, assassinadas etc., além
das que viveram menos penosamente, mas não deixaram de enfrentar duras
provas. Trata-se de um alerta para os infortúnios e reveses terrenos que
parecem absurdos de serem experimentados por criaturas reconhecidamente
valiosas e que contribuíram para o progresso do mundo. Nesse sentido,
conclui o eminente mentor espiritual: [...]
é forçoso reconhecer que passaram, entre os homens, também sofrendo e
lutando, junto à bigorna do trabalho constante. Cada consciência é filha
das próprias obras. Cada conquista é serviço de cada um. Deus não tem
prerrogativas ou exceções. Toda glória tem preço. É a lei do mérito de
que ninguém escapa.6
Certamente,
a advertência do generoso Emmanuel é para avivar, principalmente, a
vigilância dos espíritas que, ao se defrontarem com os infindáveis
problemas a vencer, sobretudo na hora crucial do testemunho, se não
tiverem aproveitado os conhecimentos doutrinários apreendidos, sabendo
empregá-los em todos os momentos terrenos para fortalecimento do
Espírito, de nada valerão os esforços que desenvolverem em benefício da
Doutrina, por falta de méritos conquistados no caminho da legítima
redenção de si mesmos. O Espiritismo convida-nos a seguir no rumo certo
ao destacar que as verdadeiras ideias a serem cultivadas pelos homens,
devem estar em completa sintonia com os princípios lidimamente cristãos.
Em
visita à “Mansão Paz”, escola espiritual luminosa, que permanece sob a
jurisdição de “Nosso Lar”, os Espíritos Hilário e André Luiz são
esclarecidos por seu diretor Druso sobre o atendimento aos Espíritos que
ali aportam, necessitados e infelizes, mas decididos a trabalhar pela
própria regeneração, conseguindo compreender a “importância da
existência carnal, como sendo verdadeiro favor da Divina Misericórdia”7
e do esforço a ser despendido para se adaptarem aos mecanismos da
imprescindível Justiça. Druso, no entanto, reforça o valor da súplica,
para que, ao encarnarem, não percam o ensejo de melhoria espiritual:
–
A prece, no sentido a que aludimos, é sempre um atestado de boa vontade
e compreensão, no testemunho da nossa condição de Espíritos
devedores... Sem dúvida, não poderá modificar o curso das leis, diante
das quais nos fazemos réus sujeitos a penas múltiplas, mas renova-nos o
modo de ser, valendo não só como abençoada plantação de solidariedade em
nosso benefício, mas também como vacina contra a reincidência no mal.
[...] a prece faculta-nos a aproximação com os grandes benfeitores que
nos presidem os passos, auxiliando-nos a organização de novo roteiro
para a caminhada segura.8
A melhor forma de orar é a que se traduz em trabalho, integrando-nos aos planos da Providência.O espírita consciente não é simples detentor de conhecimentos doutrinários, apenas pelo puro prazer intelectual. Sabe que problemas advirão, de acordo com a responsabilidade de agir dignamente diante das leis divinas; topará com o “orgulho, o egoísmo, a ambição, a cupidez, o fanatismo cego, os quais, levados às suas últimas trincheiras, tentam barrar-lhe o caminho e lhe suscitam entraves e perseguições”.9 Essas lutas, no entanto, são de ordem moral e haverão de ser vencidas, passo a passo, por acréscimo de misericórdia do Pai Amantíssimo e de Jesus, Excelso Condutor de nossas almas, cuja aplicação de seus ensinamentos permite construir o Reino de Deus em nós.
Referências:
1 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo . Trad. Guillon Ribeiro. 130. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Cap. 20, it. 2.
2 ______. O céu e o inferno . Trad. Guillon Ribeiro. 2. ed. esp. 2. reimp. Rio de Janei-ro: FEB, 2011. P. 1, cap. 7, it. Código pe-nal da vida futura, subit. 29.
3 ______. ______. Subit. 32.
4 ______. ______. Subit. 33.
5 ______. ______. Subit. 32.
6 XAVIER, Francisco Cândido. Justiça divina. Pelo Espírito Emmanuel. 13. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Lei do Mérito, p. 121-123.
7 ______. Ação e reação. Pelo Espírito André Luiz. 2. ed. esp. 2. reimp. Rio de Ja-neiro: FEB, 2010. Cap. Ante o Centenário.
8 ______. ______. Cap. 19, p. 280.
9 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo . Trad. Guillon Ribeiro. 130. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Cap. 23, it. 17.
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