sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Lei de Destruição

Christiano Torchi


Desde os tempos remotos, há bilhões de anos, quando os primeiros habitantes do orbe ainda eram animálculos unicelulares, abrigados no seio das águas tépidas dos mares, a saga evolutiva dos seres vivos sempre foi marcada pela constante luta pela sobrevivência, em que duelam dois instintos: o da conservação e o da destruição. Para sustentar a vida, as criaturas precisam de energia, que encontram nos alimentos. Nessa faina, impulsionadas pelo instinto, entredevoram-se mutuamente.

É quando se opera o ciclo de transferência de energia e de nutrientes, que segue numa espiral infinita. Em uma das pontas dessa cadeia estamos nós, que também nos alimentamos dos vegetais e das vísceras dos animais, “nossos irmãos inferiores”.1

Não bastasse isso, os hóspedes da casa planetária têm, ainda, que enfrentar os flagelos naturais que ameaçam a vida e outros valores, causando grande sofrimento. Essa constatação, impactante a princípio, já nos dá uma ideia da faixa evolutiva em que ainda nos situamos,apesar da idade estimada do Planeta em 4,6 bilhões de anos.2

Todavia, os mentores celestes, por meio do Espírito André Luiz, informam que o homem lida com a razão há apenas 40 mil anos, aproximadamente. Assim, cálculos elementares nos levam a concluir que estamos ainda nas primeiras lições da cartilha da vida. Não é sem razão que o comportamento social da criatura humana, blindado com o verniz da civilização, ainda apresenta os atavismos de competição e beligerância:

[...] com o mesmo furioso ímpeto com que o homem de Neandertal aniquilava o companheiro, a golpes de sílex, o homem da atualidade, classificada de gloriosa era das grandes potências, extermina o próprio irmão a tiros de fuzil.3
Por isso, a convivência em sociedade, muitas vezes marcada pela opressão e pela violência de todos os tipos contra o semelhante, é interpretada por algumas pessoas com fundamento no célebre aforismo, cunhado pelo filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), de que “o homem é o lobo do homem”.

Que razões teria a Sabedoria Divina para estabelecer entre os seres vivos, como regra da natureza, a luta pela sobrevivência, a destruição recíproca e a destruição pelos flagelos naturais? Estariam esses princípios em consonância com a bondade e a justiça do Criador? O estudo das Leis Morais reveladas em O Livro dos Espíritos abre uma ampla visão filosófica e científica, baseada na unidade da criação, na imortalidade, na reencarnação e no progresso dos seres, que permite um entendimento melhor dos propósitos superiores da Inteligência Suprema, em que “as aquisições de cada indivíduo resultam da lei do esforço próprio no caminho ilimitado da Criação”4 (Grifo nosso):

[...] Só o conhecimento do princípio espiritual, considerado em sua verdadeira essência, e o da grande lei de unidade, que constitui a harmonia da criação, pode dar ao homem a chave desse mistério e mostrar-lhe a sabedoria providencial e a harmonia, exatamente onde apenas vê uma anomalia e uma contradição.5


O homem começa a perceber que também integra os ecossistemas, tanto que já propugna pela substituição do modelo de desenvolvimento atual, ecologicamente predatório, socialmente perverso e politicamente injusto, por outro sustentável, que tem por divisa progredir sem destruir.Mas será que é possível progredir sem destruir? Em caso afirmativo, onde estariam os limites éticos da destruição? Destruição, no sentido comum, significa extinção, aniquilamento. Sob o ponto de vista espírita, contudo, a Lei de Destruição é transformação, metamorfose, tendo por fim a renovação e a melhoria dos seres vivos.

A destruição tem dupla finalidade: manutenção do equilíbrio na reprodução, que poderia tornar-se excessiva, e utilização dos despojos do envoltório exterior que sofre a destruição: [...] É esse equilíbrio dinâmico  baseado em sofisticadas engrenagens que regem a vida e a morte  que assegura a perenidade dos ecossistemas e dos seres vivos que neles existem.6

A parte essencial do ser pensante (elemento inteligente) é distinta do corpo físico e não se destrói com a desintegração deste. Logo, a verdadeira vida, seja do animal, seja do homem, não está no organismo físico. Está no princípio inteligente, que preexiste e sobrevive ao corpo material, que se consome nesse trabalho, ao contrário do Espírito, que sai daquele cada vez mais forte, mais lúcido e mais apto. Enfim, a vida e a morte, dentro do planejamento divino, se apresentam como faces da mesma moeda:

[...] a lei de destruição é, por assim dizer, o complemento do processo evolutivo, visto ser preciso morrer para renascer e passar por milhares de metamorfoses, animando formas corporais gradativamente mais aperfeiçoadas, e é desse modo que, paralelamente, os seres vão passando por estados de consciência cada vez mais lúcidos, até atingir, na espécie humana, o reinado da razão.7

O instinto de destruição coexiste com o de conservação, a título de contrapeso, de equilíbrio, para que a primeira não se dê antes do tempo, visto que toda destruição antecipada constitui obstáculo ao desenvolvimento da inteligência, motivo pelo qual Deus fez que cada ser experimentasse a necessidade de viver e de se reproduzir.

Há dois tipos de destruição: a destruição natural e a destruição abusiva. A destruição natural opera-se com o objetivo de manter o equilíbrio dos ecossistemas, como, por exemplo, na morte natural dos corpos pela velhice, nos incêndios naturais das matas que dizimam pragas, na erupção de vulcões, nos terremotos, nas cheias dos rios, que regulam os ciclos de renovação da vida.

Os flagelos naturais que ceifam a vida de milhares de pessoas não constituem meros acidentes da Natureza, uma vez que o globo não está sob a direção de forças cegas. Ninguém sofre sem uma razão justa. Tais fenômenos representam fator de elevação moral, com vistas à felicidade dos indivíduos. Além de favorecerem o desenvolvimento da inteligência ante os desafios, auxiliam o desabrochar dos sentimentos, tais como paciência, resignação, solidariedade e amor ao próximo. Isto é, [...] as comoções do globo são instrumentos de provações coletivas, ríspidas e penosas. Nesses cataclismos, a multidão resgata igualmente os seus crimes de outrora e cada elemento integrante da mesma quita-se do pretérito na pauta dos débitos individuais.8

Já a destruição abusiva, que exprime faces diferentes da violência, é aquela provocada de forma predatória, com fins egoísticos, a pretexto de prover o sustento alimentar ou para satisfazer paixões e necessidades supérfluas, a exemplo do consumismo desenfreado, das caçadas de animais, das touradas. Sem embargo da destruição abusiva, o homem também ofende gravemente a lei divina quando assassina, quando pratica o suicídio e o aborto ilícito, quando provoca guerras etc. Os animais, por terem no instinto um guia seguro, somente destroem para satisfação de suas próprias necessidades, mas o homem, dotado de livre-arbítrio, nem sempre utiliza sua liberdade com sabedoria, sujeitando-se ao princípio de causa e efeito.

As leis divinas são perfeitas! A necessidade de destruição tende a desaparecer, à medida que o homem (Espírito encarnado), pela evolução intelectual e moral, sobrepuja a matéria. À proporção que adquire senso moral, vai desenvolvendo a sensibilidade e tomando aversão à violência. É quando passa a ver no seu semelhante não mais o “lobo”, mas o companheiro necessitado de amparo e de solidariedade. Entretanto, ainda que se despoje dos sentimentos belicosos, o homem, até que desenvolva plenamente o Espírito, sempre estará sujeito aos desafios da luta humana, cuja superação depende do trabalho, do esforço, da experiência e do conhecimento:

[...] Mas, nessa ocasião, a luta, de sangrenta e brutal que era, se torna puramente intelectual. O homem luta contra as dificuldades, não mais contra os seus semelhantes.9

Há, da parte das instituições, grande preocupação com o desequilíbrio ambiental, com o crescimento demográfico e as desigualdades sociais, com a miséria, a criminalidade, a corrupção. As medidas tópicas, de ordem econômica, tecnológica, muitas delas com a utilização da força bruta, não alcançam as verdadeiras causas do problema, que estão na ausência de educação moral do Espírito, educação essa que deve iniciar desde a infância como forma preventiva.

É possível colher os benefícios de uma vida sóbria, sem necessidade de agir com violência ou de destruir o próximo: “A vida é muito menos uma luta competitiva pela sobrevivência do que um triunfo da cooperação e da criatividade”.10 Que o homem não se iluda: sem dominar a si mesmo, ele jamais dominará a Natureza.

Referências:
1 XAVIER, Francisco C. Emmanuel. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 17, it. Os animais – nossos parentes próximos, p. 122.
2 Disponível em: <http://www.igc.usp.br/index.php?id=304>.Acesso em 28/11/ 2010.
3 XAVIER, Francisco C. Libertação. Pelo Espírito André Luiz. 31. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 1, p. 18.
4 Idem. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. 3. reimp.Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 86.
5 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Guillon Ribeiro. 52. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Cap. 3, it. 20.
6 TRIGUEIRO, André. Espiritismo e ecologia. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. Lei de destruição.
7 CALLIGARIS, Rodolfo. As leis morais. 15. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. A lei da destruição. Apud ROCHA, Cecília (Organizadora). Estudo sistematizado da doutrina espírita. Programa fundamental. Tomo 2. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Módulo 13, rot. 1, p. 99.
8 XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 88.

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